quinta-feira, 31 de março de 2011

Mas que partido é esse? - Luiz Manfredini*

“Um céu tão sujo não clareia sem uma tempestade”
Willian Shakespeare

O desafio da Conferência Extraordinária do PCdoB do Paraná está em realizar, coletivamente e com a contundência e a profundidade necessárias, a crítica do caminho percorrido nos últimos anos, estabelecendo as bases de um novo projeto político para o partido no Estado, contraposto ao que vigorou até agora e que a vida tratou de reprovar.

A visão dialética é assim: se uma solução por acaso mostra-se equivocada, ou apenas esgotou sua validade, muda-se a solução, construindo uma que melhor se ajuste às novas feições da realidade. E assim por diante.

Para enfrentar o desafio proposto pela conferência extraordinária é necessário partir da realidade objetiva – não da imaginada ou desejada - e de certas referências teóricas e políticas essenciais que orientam o pensamento partidário, e que foram sensivelmente mitigadas nos últimos tempos.

Realidade sem fantasias

A realidade no Partido no Paraná foi suficientemente traçada pelo documento-base da conferência, particularmente sem seu pitem 11.3, para o qual chamo a atenção do leitor.

O texto mostra um partido gravemente abalado ideológica, política e organizativamente. Não há como tapar o sol com a peneira: o partido está na UTI. Não foi por menos que nosso Presidente Renato Rabelo falou em “reconstrução” do Partido no Estado. Só se reconstrói aquilo que foi destruído. E trata-se de uma reconstrução no mais amplo sentido: ideológica, política e organizativa.

Talvez ainda haja quem não pense assim, quem pense que as coisas, afinal, não estão tão ruins, sendo necessário um retoque aqui e ali para seguirmos adiante. Pura ilusão. Freud dizia que “ilusão é um desejo que se toma por saber”, algo, portanto, que passa muito distante da visão materialista, motivada – a ilusão – por ignorância, ingenuidade ou sabe-se lá por quais outros motivos.

É da realidade estrita, objetiva que devemos partir quando pensamos na reconstrução do nosso Partido no Paraná. Levantarmo-nos quase que do fundo do poço. Mas qual partido mesmo desejamos reerguer das cinzas? Em outras palavras: estamos tratando de que tipo de partido? A lassidão ideológica, o “cretinismo parlamentar” (para usar a expressão que Lênin empregava para definir o desvio político da atuação quase exclusiva no campo institucional), a anemia organizativa, entre outros fatores predominantes no PCdoB do Paraná nos últimos anos, fomentaram concepções liberais de partido, estranhas à visão marxista-leninista. Houve casos de dirigentes declararem, publicamente, a falência dos fundamentos teóricos formulados por K. Marx e F. Engels, e defenderem abertamente a natureza essencialmente eleitoral do nosso partido. Outros remeteram o objetivo socialista para um futuro tão remoto que se tornaria desnecessário – até inconveniente – mencioná-lo no presente.

Assim, a concepção de partido é o eixo estruturante de todo o raciocínio reconstrutor do PCdoB do Paraná. É o ponto do qual devemos partir. E esse ponto de partida esta nos fundamentos teórico-ideológicos e políticos da ação revolucionária.

Os fundamentos que nos guiam

Não estamos pensando em qualquer partido. O PCdoB é, como reafirmam seus estatutos, “o partido político da classe operária e do conjunto dos trabalhadores brasileiros, fiel representante dos interesses do povo trabalhador e da nação. Organização política de vanguarda consciente do proletariado, guia-se pela teoria científica e revolucionária elaborada por Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e outros revolucionários marxistas”. Seu objetivo maior é “a conquista do poder político pelo proletariado e seus aliados, propugnando o socialismo científico”.

O PCdoB é, portanto, um partido da “ação transformadora contemporânea do século XXI, inspirado pelos valores da igualdade de direitos, liberdade e solidariedade, de uma moral e ética proletária, humanista e democrática”. Um partido da transformação, não da conservação social. Um partido, portanto, revolucionário, uma vez que seu objetivo estratégico só será atingido por meio de uma ruptura revolucionária. – sob formas ora imprevisíveis. Um partido dotado de estratégia – a conquista do socialismo – para a qual convergem todas as táticas adotadas nos diferentes períodos históricos.

Essa conformação teórica e programática é que exige, para que a ação e a construção partidárias sejam consequentes na atual correlação de forças em nosso País, a realização simultânea e sinérgica do tripé formado pelos planos institucional, movimento social e da luta de idéias. Na circunstância contemporânea situa-se o campo institucional (onde despontam os processos eleitorais), como o núcleo do tripé.

Esses três elementos da ação partidária são balizados pela relação tática/estratégia. Ou seja: atua-se em cada um deles de acordo com tática atual que, por sua vez, está voltada para nos aproximar da nossa estratégia, a vitória do socialismo em nosso País.

É preciso desenvolver e fortalecer no PCdoB do Paraná, extensivamente, profundamente esta visão da tática voltada para a estratégia. Não fazê-lo, como vem ocorrendo, implica descambar para o pragmatismo e para a perda de rumo.

Somente um partido, como é o PCdoB em suas definições teórico-ideológicas e políticas, um partido marxista-leninista, revolucionário, voltado para a transformação social, dará conta da tarefa histórica que significa derrotar o capitalismo no Brasil e substituí-lo pelo socialismo, etapa civilizatória superior.

A construção de um projeto político restaurador do PCdoB do Paraná implica a luta constante, sem tréguas e de todos, a começar pelos quadros dirigentes, contra os males essenciais que, nos últimos anos, nos conduziram ao fundo do poço: o espontaneísmo, o voluntarismo, a predominância dos interesses pessoais, setoriais ou localistas, o eleitoralismo, a estruturação partidária meramente eleitoreira (portanto débil, fracionada e inoperante, favorecendo desse modo as decisões centralizadas, solitárias), a incompetência de gestão, os procedimentos burocrático-administrativos que sufocaram o debate interno.

É preciso considerar também a necessidade vital de um renascimento ético do partido no Estado. Nos últimos anos, a crise ideológica se aprofundou e tornou as fileiras partidárias vulneráveis a um espírito burguês, com seus laivos de dissimulação, oportunismo intelectual, individualismo, espertezas e artimanhas.

Todo esse conjunto de desafios ideológicos, políticos e organizativos ganham concretude – ou seja, deixam o campo da constatação e das intenções – mediante um projeto político sistemático, articulado, consistente, capaz de aplicar, no território em que atuamos, a linha geral do partido. Num próximo texto abordarei, mais particularmente, alguns pressupostos que julgo importantes – essenciais mesmo – para a construção desse projeto político para o nosso partido no Estado.

*Luiz Manfredini é filiado ao PCdoB de Curitiba. Jornalista e escritor, é membro do Comitê Estadual e de sua Comissão Política, representante no Paraná da Fundação Maurício Grabois, colunista do sítio Vermelho e membro do Conselho Editorial da revista Princípios.