segunda-feira, 25 de abril de 2011

Na teoria está tudo bem. E a prática? - Marcio Sanches*

Acompanho a política do PCdoB a cerca de 20 anos, e no inicio da minha militância no movimento estudantil escutava de dirigentes do partido, com o objetivo de incentivar o estudo teórico, a frase de Lênin, “sem teoria revolucionária não há prática revolucionária.” Depois de duas décadas é possível afirmar que teoricamente o partido vem produzindo textos e documentos, com base no estudo teórico dos textos clássicos marxistas, de grande qualidade. Não se vê deslizes ideológicos nos documentos, que não saem da cabeça de um dirigente, mas são fruto de um amplo debate interno no partido. O grande nó, principalmente aqui no Paraná, e que estes documentos são debatidos, aprovados, e no final acabem engavetados em algum canto, e não são aplicados no dia-a-dia do partido. A prática adotada, na verdade, é o voluntarismo e o espontaneísmo, acrescido da prevalência de interesses pessoais, setoriais e ou localistas, conforme aponta o documento base da conferência.

Para exemplificar um pouco esta questão, vamos pinçar trechos de três documentos do partido - o estatuto, o documento de política de quadros aprovado no último congresso e o texto-base desta conferência – fragmentos que teoricamente deveriam estar no nosso dia-a-dia, mas não estão.

Na constatação da crise de direção que o partido passa no Estado, um ponto fundamental é a quase exclusiva luta no campo institucional. O estatuto é a nossa lei interna, feita e aprovada pelo coletivo partidário e deveria ser cumprido, sem questionamentos e flexibilizações. Nele, o capítulo XI trata da participação dos comunistas em cargos públicos. No artigo 59 consta “(...) constitui importante frente de trabalho e está a serviço do projeto político partidário, segundo norma própria do Comitê Central (...)” e um pouco adiante no artigo 60 orienta “(...)Em regra, os(as) Presidentes do Partido não devem exercer cargos nos Executivos na mesma esfera. Nesses casos, devem licenciar-se da Presidência, salvo autorização expressa por parte da instância imediatamente superior.”

Não é necessário procurar muito dentro do partido para ver participações em governos que não cumprem estas determinações. Se falta um projeto político articulado para o partido no Estado e o partido estava dentro do governo do Estado ou esta dentro de governos municipais, algo esta errado. Todos sabem que em muitos casos os cargos são ocupados para dar condições de sobrevivência a militantes, prática esta que deveria ser extinta no partido. Militante do partido não pode ser “profissional de governos”. Pode ser profissional do partido, mas para isso o partido deve prover de condições financeiras para a sua profissionalização, e não um cargo de confiança em governo estadual/municipal.

Nos casos dos presidentes partidários, a situação é ainda mais grave, pois quando vai para um cargo de confiança, em muitos casos, com a ausência de um projeto político do partido, passa a aderir ao projeto político do governante, e que em muitas vezes o partido apenas soma ao projeto sem nenhuma contrapartida. Isso quando não há traições de acordos realizados com o partido, mas mesmo assim o partido continua no governo para dar cargo a algum dirigente. No estatuto trata de exceção que devem ser tratado pela instância superior do partido, mas ainda não vi em pauta este assunto.

Vamos agora ao documento “Política de quadros comunistas para a contemporaneidade. Partido revolucionário para um período singular de lutas”, que o partido discutiu durante o ano de 2009, e foi aprovado pelo 12º Congresso do PCdoB, vou destacar o item 6 que trata dos desafios do partido para construção de uma nova política atualizada de quadros e constata varias questões muito próximas ao partido no Paraná, conforme pode ser constato na reprodução do item:

“6. Os desafios a confrontar no sentido de potenciar essa política de quadros e o próprio papel dos quadros são o dogmatismo, que leva a uma postura engessada ou defensiva frente às mudanças, dificulta a emancipação do pensamento; o liberalismo, que produz o afrouxamento dos compromissos com o Partido; o corporativismo, que limita os horizontes de formulação de um pensamento político e a aspiração por constituir os trabalhadores como classe que almeja o poder político nacional, restringindo-os à mera luta social; o pragmatismo, produto da luta política no nível atual, que leva a perder de vista objetivos fundamentais em prol do imediato, à pressão pela autonomização de grupos de interesse no interior do partido, à perda de referenciais estratégicos na atuação no seio das instituições vigentes, à burocratização. Representam, de diferentes modos, entraves tendentes a rebaixar o sentido estratégico da luta do partido e o próprio instrumento partido.”

Há cerca de dois anos já temos um rico diagnostico que parece que foi escrito para a nossa realidade, em que o partido deveria aprofundar o debate para enfrentar as questões apresentadas. Mas acreditando que tudo estava bem, ou que o texto trata do partido no Estado ao lado ou que as eleições poderiam resolver as questões, novamente deixa-se o documento em algum canto.

Por último vamos tratar o documento base para conferência extraordinária, recém aprovado no Comitê Estadual, e que neste caso, não podemos alegar que já foi para alguma gaveta, pois ainda estamos no processo de debates e aprovação. O documento é uma dura autocrítica da direção, já que foi aprovada por ela, mas que ainda não compreendeu. No item 17.7 trata do desenho da nova direção e destaca que “o secretariado deve ser órgão apenas executor das decisões da CPE, que se reunirá mensalmente. O secretariado não constituirá pólo de decisões”. Mas a cerca de 20 dias antes da realização da conferência, na ultima reunião da comissão política acabou tendo a sua pauta e presença esvaziada por uma reunião do secretariado ampliada realizada dois dias antes. A reunião da CPE foi apenas um “teatro” em que se deram alguns informes e durou cerca de uma hora. Nada de concreto foi debatido.

Não está errado o secretariado se reunir, até mesmo ampliado. O erro esta no esvaziamento da pauta e vários dirigentes que participaram da reunião do secretariado faltar à reunião da CPE, mesmo a poucos dias da conferência. Errado esta em não avisar a todos os membros da CPE, e os membros do interior se deslocar para capital e a reunião de fato não acontecer. Na prática, mesmo em crise, a direção esquece que constatou a pouquíssimo tempo, e aprovou no documento base, que tem que mudar o centro de decisão. Mas há resistência na mudança. E questionado na reunião “teatro” da CPE sobre este ponto, deve dirigente que acha que estava certa o procedimento. Reafirmo, não está errado o secretariado se reunir. Errado está o secretariado, mesmo que ampliado, ainda ser o centro das decisões, principalmente após o Comitê Estadual aprovar o documento base.

Portanto, mesmo com várias questões a serem tratadas, acredito que temos base teórica bastante rica para ser aplicada no partido no Paraná. O que é necessário é renovar a nossa prática, nossas atitudes. E isso não é fácil e haverá resistências. Em documentos políticos aprovados e em questões tratadas pelo nosso estatuto não pode haver flexibilizações. Os militantes e a própria direção devem fiscalizar e cobrar o cumprimento das resoluções partidárias. Não podemos deixar que o documento base, que faz um balanço preciso do partido no Paraná, e todos os documentos aprovados no estado e nacionalmente virem papéis esquecido em alguma gaveta. Produzimos sim teoria revolucionária, agora falta ao partido do Paraná a prática revolucionária.

*Marcio Sanches, publicitário especialista em comunicação popular e comunitária, presidente municipal do PCdoB em Londrina e membro da Comissão Política Estadual.